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Tarsilas

Foto do escritor: Priscila SissiPriscila Sissi

Atualizado: 5 de abr. de 2020



"Tarsilas" 
Releitura de "Abaporu", "Figura Só" e "Sol Poente" de Tarsila do Amaral
Artista: Priscila Sissi
Acrílico sobre telas de 50 x 70 cm
Ano: 2020
Local: SP - Brasil

A releitura "Tarsilas" compõe-se de três pequenas telas que homenageiam três magníficas obras de Tarsila do Amaral (1886-1973), expoente do movimento modernista brasileiro.


A primeira delas revisita "Abaporu" (1928), o quadro mais valioso de toda a arte brasileira, que traz "o homem plantado na terra", segundo as palavras de Oswald de Andrade, para quem foi feita, como presente, a obra. Abaporu, em tupi-guarani, é o homem que come gente. Trata-se, pois, de um homem antropófago, um índio canibal, uma figura enigmática de cabeça pequena, tronco desproporcional e pé gigante. Nessa explosão de cores tão brasileiras e nas formas peculiares empregadas pela artista, esse símbolo do Movimento Antropofágico mostra-se aquele capaz de devorar a cultura para se apossar dela e reinventá-la.


A segunda obra revista é " Figura Só" (1930), que denota um momento reflexivo de Tarsila ao retratar uma solitária figura feminina, de costas para o expectador, cercada por uma paisagem noturna em que sopra um vento forte. Seu corpo em forma de lágrima sugere uma melancólica observação do horizonte, num período que historicamente coincidia com a Grande Depressão (Crise de 1929) que abalou economicamente a família de Tarsila, constituída de fazendeiros do café —, com o Golpe de Estado que pôs fim à Era Vargas e, ainda, com o rompimento do casamento da artista com Oswald de Andrade. "Figura Só" foi a única obra da artista em todo o ano de 1930.


Por fim, a terceira obra homenageia "Sol Poente"(1929), também da fase Antropofágica de Tarsila. Em uma expressão mais surrealista da artista, a vegetação em forma completamente revolucionada, contrastada com os cactos que permanecem ao fundo, sobressalta à frente de um esplendoroso sol que degrada em arcos flamejantes, em tons de laranja e amarelo forte, embasadas por peculiares animais que flutuam calmamente, num lago azul. É um universo reinventado, particular, um olhar criativo e vanguardista, mas, em contrapartida, também nostálgico, segundo as palavras da própria artista*:


"Falar com Deus era para mim esse quadro: eu sentada, do terreiro olhando esse tronco que tinha na fazenda, a cor do sol cobrindo tudo, e eu chorando, menina, pedindo perdão por meus pecados." (AMARAL, Tarsila do. In: Amaral, A. 1974) 

Mas, por que revisitar essas obras de Tarsila do Amaral? Muito embora as obras da artista sejam atemporais e seu olhar seja sempre atual, a releitura conjunta dessas obras permite uma viagem ao movimento modernista do Brasil, e seu grito de independência cultural, a romper com o tradicionalismo artístico e cultural anterior, em tempos em que a apropriação do que nos é próprio está latente e pede atenção.


As cores intensas de Tarsila, aqui, são degradadas em todas as suas nuances, que revelam a riqueza de tudo o que naturalmente assim já é disposto. Nessa apropriação de si, que Hanna Arendt**, denominaria "pensar apaixonado", pensar e estar vivo passam a ser a mesma coisa. As cores de Tarsila são, de fato, cores de ode e cores de vida!


Nesse exercício de refletir, o Abaporu vem representando a sede humana pelo novo, pelo surpreendente, o inusitado, aquele que devora as coisas do mundo, como se o próprio mundo ele também não fosse. Figura Só, agora em formas mais delineadas, projeta o sagrado feminino, livre e autêntico, senhor de si, que se mantém e que resiste serenamente à força dos ventos e do destino. Sua presença única não é solitária, mas se basta. E a imensidão do Sol Poente, generosamente, reverbera suas matizes a todos os que se alimentam de sua chama viva, o fogo de Heráclito, capaz de movimentar, alvoroçar, transformar as coisas: nada no mundo é estático, tudo se move, tudo muda.


Revisitar essas formas tão características à sua criadora, agora recompostas em figuras poligonais, que se tangem e se complementam, permite, então, repensar a forma como nos integramos com o mundo que nos é, desde sempre, dado.


Quais as cores do seu mundo?



 

*Trecho extraído do site: http://www.base7.com.br/tarsila/, em 02.04.2020.

** ARENDT, H.; HEIDEGGER, M. (1999).Briefe 1925 bis 1975 und andere Zeugnisse. Ed. U. Lutz. Frankfurt, Klostermann, p.184.

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