"Negra-história"
Releitura de "A Negra"(1923) de Tarsila do Amaral
Artista: Priscila Sissi
Acrílico sobre tela de 100 x 120 cm
Ano: 2021
Local: SP - Brasil
Em um país colonizado por europeus, enxergar o Brasil pela ótica do próprio Brasil, como tão primorosamente fez Tarsila do Amaral, ainda é tema necessário e contemporâneo.
A obra original de 1923, "A Negra", precursora do então vindouro movimento Antropofágico, revela o processo da artista em digerir os valores artísticos europeus que influenciaram sua formação artística, transcendendo-os em busca de sua brasilidade.
A figura retratada, avantajada, de pose deselegante, traços embrutecidos, lábios enormes e mama farta, destaca-se em primeiro plano desproporcionalmente em relação ao fundo, notadamente, rompendo com todos os padrões acadêmicos do nu feminino.
De corpo despido, ela fita o espectador de frente. Não exerce trabalho braçal, nem descansa. Não seduz, não provoca. Ela não se nega, nem reivindica. Ela apenas está. Ela é o que é.
Revisitar uma obra como esta significa reafirmá-la como força feminina, para além do mito do erotismo e da luxúria a que a iconografia tradicional lhe submeteu. A Negra, com todo o vigor do artigo feminino que propositalmente a designa, representa a identidade feminina anônima no contexto das casas-grandes, indissociável do pacto cultural brasileiro: a da mãe negra que alimentou e criou gerações de filhos de latifundiários.
Suas cores, agora mescladas com as menções aos elementos naturais que compõem o fundo, vêm clamar a identidade e subjetividade que lhe cabe e que lhe foi silenciada no transcurso da formação da sociedade. São as matizes que coloriram os engenhos de açúcar, as plantações de café, que aqui se agrupam como retalhos de história a originar a personificação da alteridade e do cuidado representada na feminilidade da forma extravagante e, ao mesmo tempo, singela.
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